Deodoro da Fonseca: República no Brasil e desgraça completa é a mesma coisa

 

RIO DE JANEIRO [ ABN ] — O marechal Deodoro escreveu duas cartas ao seu sobrinho Clodoaldo da Fonseca, da Escola Militar, em 1887 e 1888, nas quais afirma:

“República? Seria coisa impossível, verdadeira desgraça. República no Brasil e desgraça completa é a mesma coisa”. Pouco depois, o mesmo homem proclamou a República…

No dia 4 de novembro, graças a um pedido de seu sobrinho, tenente Clodoaldo da Fonseca, Deodoro recebeu em sua casa um grupo de oficiais. O marechal, que padecia de dispnéia (falta de ar) devido à sua arteriosclerose, os atendeu na cama. Os militares lhe disseram que o Visconde de Ouro Preto pretendia reorganizar a Guarda Nacional – um corpo militar formado e armado por homens ricos no interior do País – e fortalecer a Polícia no Rio, para contrapô-las ao Exército. Deodoro comentou:

— Só mesmo mudando a forma de governo.

Os jovens oficiais ficaram surpresos com o comentário do marechal, e o capitão Antonio Menna Barreto arriscou uma pergunta:

— Podemos agir afoitamente no sentido de congraçarmos mais elementos?

Deodoro respondeu como quem dá uma bênção:

— Podem.

É hoje assente entre os historiadores que o marechal Deodoro somente na tarde do dia 15 de novembro aceitou a deposição do Imperador, e o fez a contragosto, instado pelos líderes republicanos. Quanto a seu irmão Hermes, que comandava as tropas na Bahia, relutou muito em aceitar a mudança de regime, só a reconhecendo a 18 de novembro, após a partida da Família Imperial para o exílio.

Se entre os “casacas” se falava de República, entre os militares a conversa dominante era a de derrubar o Ministério de Ouro Preto, e não a Monarquia. Na reunião no Clube Militar, na noite do dia 9, na mesma hora em que a Monarquia se deliciava no baile da Ilha Fiscal, em nenhum momento se colocou a necessidade de proclamar a República. Até Benjamim Constant não usou a palavra República.

A intenção de Deodoro, ao pôr-se à frente das tropas amotinadas, na manhã do 15 de novembro, não era derrubar a Monarquia, era tão-somente derrubar o Ministério chefiado pelo Visconde de Ouro Preto, contra o qual o Exército alegava sérios agravos. Tanto que, ao penetrar no Quartel General, em que estava instalado o Governo, bradou não o “viva a República” da legenda, mas sim “viva Sua Majestade, o Imperador”.

É o que relata Pedro Calmon: “O grito não foi de viva à República; nem podia ter sido. Deodoro não se pusera à frente da tropa para fazer a República. Tomara-lhe a chefia em plena marcha, para derrubar o Ministério e impor as decisões da revolução em nome do Exército e da Armada. Ao subir as escadas que conduziam ao andar superior – onde o esperava o Gabinete vencido – Deodoro, de quepe na mão, gritou `viva Sua Majestade, o Imperador’. É o que nos contam José Bevilacqua, Cândido Rondon, o embaixador do Chile na sua correspondência”.

O mesmo afirma a Princesa Isabel, nas singelas e despretensiosas notas autobiográficas, que intitulou “Alegrias e Tristezas”, e foram publicadas na íntegra pela “Tribuna Imperial”, de Petrópolis: “O marechal Deodoro da Fonseca, descontente com o Ministério, nada mais desejava, então, senão derrubá-lo. No dia da sublevação, entrou com suas tropas no Quartel General, dando vivas ao Imperador”.

Ao entrar na sala do Quartel General, Deodoro cumprimentou primeiro seu primo, o ministro da Guerra, Visconde de Maracaju. Em meio ao maior silêncio, o marechal fez um discurso intempestivo. Dirigindo-se a Ouro Preto:

— Vossa Excelência e seus colegas estão demitidos por haver perseguido o Exército. Os senhores não têm nem nunca tiveram patriotismo. Patriotismo tem tido o Exército, e disso deu provas exuberantes durante a campanha do Paraguai.

O marechal lembrou ainda os três dias e noites que passou no meio de um lodaçal, durante a guerra. Impassível, o Visconde de Ouro Preto ouviu tudo sem interromper. Depois, disse a Deodoro:

— A vida política, senhor general, tem também os seus dissabores. E a prova disso tenho neste momento, em que sou obrigado a ouvi-lo.

O marechal demitiu o Ministério e afirmou que Ouro Preto e Cândido de Oliveira, ministro da Justiça, ficariam presos até serem deportados para a Europa. E concluiu:

— Quanto ao Imperador, tem a minha dedicação, sou seu amigo, devo-lhe favores. Seus direitos serão respeitados e garantidos.

Disse também que encaminharia uma lista de nomes do novo Ministério a D. Pedro II. De República, nada falou.

 

Leon Beaugeste, articulista e cronista da ABN, é médico, escritor, autor do livro A Volta ao Mundo da Nobreza e Revivendo o Brasil Império, publicado sob o pseudônimo Leopoldo Bibiano Xavier.