Os dois ministros do STF condenaram os réus José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos
BRASÍLIA [ ABN NEWS ] — Nono ministro a proferir seu voto na parte do item VI que trata das acusações de crimes de corrupção ativa, o ministro Celso de Mello acompanhou integralmente o relator, ministro Joaquim Barbosa, e votou pela condenação de oito dos dez acusados do delito. São eles o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, bem como os réus Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Rollerbach, sócios-proprietários da agência SMP&B Comunicação; Simone Vasconcelos, ex-diretora da SMP&B, e Rogério Tolentino, advogado da SMP&B.
Também a exemplo do relator, o ministro Celso de Mello votou pela absolvição do ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto e da ex-funcionária da SMP&B Geiza Dias pelo crime de corrupção ativa, por entender que não está comprovada a culpa de ambos.
Em seu voto, o ministro rebateu acusações segundo as quais se estaria aplicando nessa ação penal a teoria do domínio do fato de forma abstrata, de modo a alcançar determinadas figuras de destaque do governo passado, sem se evidenciar provas.
Citando o penalista alemão Klaus Roxin, segundo o qual a teoria do domínio do fato não é uma construção ad hoc, ou seja, feita para um determinado momento, o ministro afastou a tese segundo a qual essa teoria somente se aplicaria a situações excepcionais. Segundo o ministro, isso não é verdade, e essa teoria se coaduna perfeitamente com o modelo de concurso de pessoas, adotado pelo direito penal brasileiro.
Ele citou diversos exemplos de casos em que Tribunais Regionais Federais (TRFs) e Tribunais de Justiça (TJs) vêm aplicando, já há cerca de 30 anos, essa teoria no Brasil, em ações penais.
O decano da Corte disse que não se trata no caso de aplicação da teoria do domínio do fato de forma abstrata, pois a ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) apresenta vários fatos e indícios que convergem entre si, apontando culpados. “Há a necessidade de que haja demonstração de elementos concretos que evidenciem a culpa do autor e o liame subjetivo que o vincula à prática criminosa”, sustentou. E, de acordo com ele, o MPF apresentou tais elementos. Segundo o ministro, trata-se de “delitos infamantes”, cujos autores se sustentaram no aparato do governo, corrompendo o poder do Estado.
O ministro disse, ainda, que “a falta de escrúpulos evidenciada, no caso ora em julgamento, dos agentes perpetradores das práticas criminosas, sua avidez pelo poder, a ação predatória por eles exercida sobre os bons costumes políticos e administrativos, a arrogância por eles demonstrada e estimulada por um estranho senso de impunidade, o descumprimento do dever de agir com integridade, honra, decência e de respeito aos valores da República e o comportamento desonesto no desempenho de suas atividades”, tudo isso rememora a caso narrado na Roma antiga, “e que deve ser esmagado, antes que ameace os valores superiores da República”.
O ministro afastou, também, a crítica segundo a qual se estaria condenando José Dirceu e José Genoino por sua ação política, sem a apresentação de outros fatos concretos. Segundo ele, no entanto, esses réus estão sendo condenados por existirem provas de que, em posição de hegemonia, agiram de acordo com uma agenda criminosa de perpetuação de poder, valendo-se de sua força e prestígio, bem como da legenda a que estavam vinculados.
“Os elementos de informação revelam práticas delituosas que descaracterizam o modelo de democracia consensual da negociação, que é da essência do regime democrático”, afirmou. “O jogo político de práticas ilegais não pode ser admitido”.
Ministro Ayres Britto
O voto do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto, referente às imputações de corrupção ativa, encerrou o julgamento do item VI da Ação Penal 470. O ministro seguiu inteiramente o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, e julgou procedente a ação quanto a esse delito contra os réus José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos, e improcedente em relação a Geiza Dias e Anderson Adauto.
No resumo que apresentou de seu voto, o ministro ressaltou que são normais e legítimas as alianças, os acordos e coalizões entre partidos políticos, tanto para eleições quanto para garantir a governabilidade das chefias executivas. “Isso não pode ser objeto de estranhamento ou de crítica”, afirmou. “No caso, porém, o que é estranhável é a formação ‘argentária’ de alianças, um estilo de coalizão excomungado pela ordem jurídica brasileira”.
Para Ayres Britto, as alianças feitas à base de suborno e corrupção desfiguram os partidos e, consequentemente, lesam a sociedade. “Sabemos que, a cada eleição, as urnas desenham em determinada circunscrição geográfica um perfil ideológico que deve, em tese, vigorar por quatro anos”, explicou. “Quando se faz uma aliança desse tipo, sem limite temporal, esse perfil ideológico é arbitrariamente alterado: compra-se a consciência do parlamentar que, assim, trai o povo inteiro, porque trai o mandato recebido do povo”.
Núcleos imbricados
No caso dos fatos narrados pelo Ministério Público Federal (MPF), o ministro destacou que esse regime de alianças se deu com a mediação de um conglomerado de empresas privadas, controladas pelo “protagonista-mor do plano operacional”, o réu Marcos Valério. “O pool de empresas se profissionalizou e, por isso, atuou por vários anos, mobilizando, em valores da época, R$ 153 milhões”.
Segundo o presidente do STF, “não há mais dúvidas” de que o esquema se estruturou em torno de práticas delituosas oriundas de “núcleos imbricados” – político, financeiro e publicitário, conforme definidos pela denúncia. “Os dois núcleos operacionais e o político naturalmente formavam uma triangulação, mas, na prática, o que era triangular se desmesurou e se tornou tentacular”, afirmou.
Na sua avaliação, os autos revelam “um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio” e que, mais que continuidade administrativa, pretendia o continuísmo governamental – “golpe, portanto, no conteúdo da democracia que é o republicanismo, que postula a possibilidade de renovação dos quadros dirigentes e a equiparação, na medida do possível, das armas com que se disputa a preferência do voto popular”.
Autoria
Para o ministro Ayres Britto, a “autópsia” das condutas feita pelo relator reconstituiu os fatos e indicou “a autoria clara e insofismável dos agentes”. Com base em declarações colhidas nos interrogatórios feitos em juízo, o presidente concluiu que o próprio réu José Dirceu deixou claro que tudo passava por suas mãos, e que era pessoalmente responsável pelas articulações políticas com a base aliada.
“No caso, esta Corte já entendeu que as alianças se fizeram à base de propina”, assinalou. “Quem, então, desempenhou o papel de mentor desses acordos? Fui pinçando, nos depoimentos, que esse papel de primeiro ministro extremamente concentrador de poder político era exercido por José Dirceu”, afirmou.
Quanto a José Genoino, o ministro entendeu que seu papel estava abaixo do de José Dirceu, mas que o então presidente do Partido dos Trabalhadores também integrava o chamado núcleo político. “Quem assinou os empréstimos do BMG e do Banco Rural foram Genoino, como presidente do partido, Delúbio Soares, como tesoureiro, e Marcos Valério, como avalista”, observou. “Nas renovações, o mesmo aconteceu, apenas com a saída de Marcos Valério, passando Genoino a figurar como presidente e avalista.
Quando leio os interrogatórios de Delúbio, praticamente assumindo tudo, não preciso sequer da teoria do domínio do fato”, concluiu.
Veja como votaram os outros ministros:
Ministro Joaquim Barbosa, relator – pela absolvição de Geiza Dias e Anderson Adauto, e pela condenação dos demais réus acusados de corrupção ativa.
Ministro Ricardo Lewandowski, revisor – pela absolvição de Geiza Dias, Anderson Adauto, Rogério Tolentino, José Genoino e José Dirceu, e pela condenação dos demais réus.
Ministra Rosa Weber – pela absolvição de Geiza Dias e Anderson Adauto, e pela condenação dos demais réus.
Ministro Luiz Fux – pela absolvição de Geiza Dias e Anderson Adauto, e pela condenação dos demais réus.
Ministro Dias Toffoli – pela absolvição de Geiza Dias, Anderson Adauto, Rogério Tolentino e José Dirceu, e pela condenação dos demais réus.
Ministra Cármen Lúcia – pela absolvição de Geiza Dias e Anderson Adauto, e pela condenação dos demais réus.
Ministro Gilmar Mendes – pela absolvição de Geiza Dias e Anderson Adauto, e pela condenação dos demais réus.
Ministro Marco Aurélio – pela absolvição de Anderson Adauto, e pela condenação dos demais réus.
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